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quarta-feira, 27 de julho de 2011

O TEMPO E A UTOPIA

Passado, presente e futuro. Assim dividimos o tempo, assim o percebemos. Temos o hábito de analisar, de subdividir as coisas, mesmo que para isso seja preciso transformar as coisas em outras. Criamos, por exemplo, o tempo futuro, aquele que nunca é, que sempre será se nunca for. Sentimos o tempo passado como se ele estivesse morto e não atualizado em nós, no hoje, no presente. Assim achamos que podemos lidar com a vida: analisando o seu devir, mas esquecendo, às vezes, de sintetizá-lo simplesmente vivendo a vida como uma só. Por isso esquecemos que só há um tempo: o tempo de viver. E este é o tempo presente, aquele que está agora. O resto deve ser mero engano de nossas mentes analíticas. Só assim nós humanos, criadores de chronus, entre outras divindades, podemos viver os três tempos que analiticamente inventamos. O tempo passado que se atualiza, o tempo futuro que sempre será e o tempo presente, o que sempre se apresenta. É este último, o tempo que desfaz e (re)cria novas utopias. O tempo realmente sendo vivido e a tudo revivendo. O tempo que pode conviver com as saudades, mas que precisa ser vivido agora. O tempo que nos ocupa e que o ocupamos. O tempo em que podemos remoer o já vivido e seus remorsos e ainda o tempo em que se pode se ocupar do que ainda virá. O presente é, pois, o único tempo real, concreto. Tudo está nele: o vivido e o por viver. Como cantou Raul Seixas: "o hoje é um furo no futuro/ Por onde o passado começa jorrar/ Eu aqui isolado onde nada é perdoado/ Vi o fim chamando o princípio pra poderem se encontrar".

É no presente que tudo está a se transformar (com a nossa intervenção ou não). É nele que a vida se atualiza. O que seria do tal passado se nossas mentes não atualizassem o que vivemos? A memória e a história só são possíveis por essas atualizações que fazemos do que foi vivido. Nosso cérebro humano produziu a capacidade de relembrar e, ao fazê-lo, atualiza o que chamamos de passado. Este, portanto, nunca é ele mesmo, ele é sempre o que fazemos dele no presente. E aqui temos a beleza e o perigo. Podemos, por exemplo, reatualizar Heidegger nas universidades (e isto, reviver o pensamento de alguém, parece belo), mas as atualizações o transformam normalmente em um filósofo que não teve engajamento político (seu apoio ao nazismo) e, assim, produzimos meias verdades ou belas mentiras. O mesmo se dá com algumas releituras atuais  de Nietzsche, o filósofo da moda, quando  esquecem do papel político elitista e, em certos casos, reacionário dos pensamentos deste autor.

É no presente também que esperamos os próximos acontecimentos e chamamos a isso de futuro. Mas é no devir que os acontecimentos se realizam. Futuro parece, pois, ser um esperar que aconteça algo. Quando, penso eu, é na ação cotidiana, no agir no presente que possibilitamos ou não que algo se realize. É o presente, que atualiza o passado, que possibilita o vir-a-ser. As utopias, desejos de quase-não-possibilidades, são classificadas desta forma por acharmos que são quimeras, que são impossibilidades, que não são acontecimentos próximos. Mas quem diria a Leonardo da Vinci que o homem não poderia voar? Para ele era um acontecimento provável, para os seus contemporâneos era mera alucinação ("utopia"), mas atualizamos recentemente os projetos de Da Vinci e, como bem lembrou Chico,  "O homem da Gávea criou asas". E as asas deltas são exemplos  de utopia realizada. É exemplo também de que a vida é uma só e só tem um tempo, o tempo de viver. E o futuro, por que podemos pensá-lo sem que seja nunca vivido? É porque podemos sonhar, ou melhor, projetar. Mas que fique claro que projetar é uma ação que realizamos aqui e agora.

Nos Séculos XVIII, muitas projeções foram feitas sobre o que poderia acontecer com a humanidade. Em 1798 Thomas Malthus nos assombrou com a hipótese de que a catástrofe da fome era iminente, pois a população humana, segundo ele, crescia de forma muito mais rápida do que a produção de alimentos. A projeção de Malthus tinha o equívoco de acreditar na incapacidade do homem de potencializar seus meios de produção. Se a projeção malthusiana não se deu, ela pelo menos nos obrigou a repensar tanto o planejamento demográfico quanto o da produção da riqueza.

Outros pensadores, já no século seguinte, perceberam a necessidade de mudanças na sociedade. Estava claro que mais do que a relação população/produção de riqueza o problema estava na distribuição das riquezas produzidas. Diversos grupos tentaram produzir dentro da própria sociedade capitalista formas de convivência mais igualitária. O conjunto dessas práticas e os pensamentos criados em busca da igualdade deram origem ao que foi chamado de socialismo. Estas buscas socialistas, porém, foram chamadas de utópicas porque além de não bulir de fato com os status do capitalismo acreditavam na possibilidade de coexistir com este. Uma visão crítica destas formas de socialismo foi apresentada em diversos textos por Marx e Engels.  Mas, de certa forma, estes tentavam na época atualizar o pensamento de Thomas Morus (autor de "Utopia") a partir de releitura crítica do conhecimento acumulado até aquela época. E como ciência é sinônimo de conhecimento, Engels adotou para um dos seus livros o título "Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico". Era, portanto, uma forma de atualizar as projeções. Estas, para o autor, possibilitariam ações em busca de um vir-a-ser que modificasse aquele momento histórico.

No século XX, algumas utopias se realizaram: a luta política dos trabalhadores, muitas baseadas em pensamentos ditos utópicos, conquistou direitos sociais dentro do próprio capitalismo e em alguns lugares conquistou o próprio Estado, principalmente após as crises do momento imperialista desse sistema, o que ficou claro com as grandes guerras. Foi na primeira delas (1914-1918) que surge o primeiro estado dito socialista. Apesar dos equívocos ditatoriais impostos por Stalin, a Revolução Russa de 1917 ofereceu ao mundo uma demonstração de que também é passageiro um sistema social baseado na desigualdade a ponto de gerar uma guerra mundial. E isto ficou mais claro ainda após o sistema capitalista gestar as ditaduras totalitárias de Mussolini, Franco e Hitler (este com o apoio de Heidegger), além, é claro, da segunda guerra. Logo após a II Guerra, em 1949, a China faz a sua revolução socialista também se baseando em políticas ditatoriais. Dez anos depois, é a vez de Cuba. Esta última, apesar dos limites de ser uma ilha não capitalista cercada de Estados Unidos por  todos os "lados", tem uma tonalidade mais democrática, mas uma tonalidade que precisa também ser reatualizada. Não no sentido de uma volta ao passado como se deu com extinta União Soviética, mas de busca de atualização da utopia igualitária também do poder político.

Como já foi dito, o século XX realizou algumas das utopias e só não realizou mais porque o combate a elas foi muito forte. Usou-se desde as ditaduras (vide os casos do Brasil e do resto da América Latina) até a força das ideias religiosas (vide o combate do Vaticano aos teólogos que se aproximavam das utopias, como fizeram com os que defendiam "Teologia da Libertação"), e não  esqueceram do circo das redes de televisão e de outras formas de "arte".

O século XXI já está no sua segunda década e está muito claro que o jogo de "banco monopólio" realizado pelas grandes corporações  capitalistas tem gerado cada vez mais crises e guerras. Só estas últimas permitem que o império estadunidense não caia podre de uma vez. E a crise deste império afoga todo o sistema por ele hegemonizado. São dólares produzidos de forma artificial e lucros gigantescos de uma minoria patrocinada pelo Estado tanto no "império", quanto nas "colônias". Como contrapartida exigem mais sacrifício dos trabalhadores e, agora, tanto faz que sejam da Tunísia ou da Bélgica, da Espanha, ou da Grécia, dos EUA ou de Portugal, do Brasil ou Rússia. A fome de lucros ameaça empregos e aposentadorias. Tudo isso, é claro, aumenta as desigualdades.  No tempo futuro, aquele que sempre está para acontecer, as utopias parecem impossíveis e a catástrofe humana parece iminente. Mas é no tempo presente que produzimos as possibilidades. Nele podemos atualizar as ideias surgidas no século XIX e fazer melhor do que fizemos no século XX. As asas deltas foram criadas e precisam de aperfeiçoamento, principalmente no que diz respeito à questão política da democracia. Democracia, mas socialista (ou não seria uma utopia igualitária), pois a que temos- consentida pela sociedade empresarial- não passa de engodo. Allende, presidente morto no golpe militar do Chile, saberia a que estou me referindo em seu onze de setembro de 1973.


Ficheiro:The Mutiliation of Uranus by Saturn.jpg
A mutilação de Urano por Saturno, de Giorgio Vasari e Cristofano Gherardihttp://www.uwm.edu/Course/mythology/0200/titans.htm {{PD-Art}} [[Category:Greek myth)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

MERCADORIAS, A BURGUESIA FAZ TUDO VIRAR MERCADORIAS

Apresento hoje dois poemas antigos. Foram produzidos nos anos finais da década de 80. Um fala da sociedade a partir de uma crítica socialista ao gélido mundo capitalista (o mundo da produção de mercadorias)  e outro brinca de falar do amor. Esta dualidade de temas reflete bem a posição deste blog que no próximo dia 27 estará completando um ano. Compartilho também a imagem ao lado retirado do sítio "educadores em luta". A arte aqui simbolizando a união e a luta dos que querem um mundo mais justo e com mais igualdade. Um mundo onde a principal ação seja produzir alegrias e não apenas mercadorias. Um mundo onde a comunicação ajude a nos libertar e não a produzir mais alienação. Um mundo onde a beleza dos atos não seja efêmera e para poucos. Um mundo que se permita sonhar, desejar e onde as utopias, metas inatingíveis, sejam perseguidas. Onde a liberdade não tenha que ser conquistada e mantida todos os dias, mas um direito. Onde a fraternidade seja o traço de união entre a igualdade e a liberdade. E que os três substantivos se concretizem em nós todos e deixem de ser meras abstrações. Um mundo onde a ciência esteja a serviço de todos e que todos ajam com ciência de que o mundo é para todos. O mundo da riqueza, da liberdade e da justiça para todos no mundo. Que essas utopias possam produzir ações fraternas e que se tornem o credo de todos. E, como disse o poeta russo Maiakovski no poema  "O Amor" ("Ressuscita-me"), "que a família se transforme/ e que o pai seja pelo menos o Universo/ e a mãe seja no mínimo a Terra" (vide vídeo no final da postagem com a interpretação de Gal Costa da música que Caetano fez para o poema). 


MERCADORIA  
Flores
rosa
jasmim
maçã
melancia
a burguesia
a burguesia faz tudo virar mercadorias.

Homem
joão
daniele
carlos
sônia
maria
a burguesia
a burguesia faz tudo virar mercadorias.

Amor
carinho
corpo nu
sexo
gravidez
filho ou cria
a burguesia
a burguesia faz tudo virar mercadorias.

Arte
canção
dança
novela
teatro
poesia
a burguesia
a burguesia faz tudo virar mercadorias.

Pensamento
ciência
religião
filosofia
heresia
a burguesia
a burguesia faz tudo virar mercadorias.

Revoluções
china
cuba
guevara
babeuf
comunismo
anarquia
a burguesia
faz tudo virar mercadorias?

Jorge Willian  (16 e 18 de outubro de 1987)


                           BRINCAR DE COMIDINHA

                                                 É tarde
                                                       para morrer de amor é tarde
                                                 é cedo
                                                          para brincar de amor é cedo
imagens magicas ilusao otica
 vamos, pois, brincar
de papai e mamãe
   que não precisa o amor
ser assim tão trágico.

    Há um dom quase mágico
    quando se brinca
    só precisa o amor
     apenas ser sentido
     como algo mágico
        fazendo magias.

                                                           Sorria, meu amor, sorria
                                                       e mais nada é preciso
                                                      vamos brincar
                                                    sorria
                                                         brincar de João e Maria
                                                        de médico no sofá da tia
                                                      de fazer comidinha
                                                         de pesquisar nossas geografias
                                                     e que a vida ou a morte ou o instante
                                                  um dia nos separe
                                                  e o amor, logo ou breve, sorria
                                                   sorria, meu amor, sorria,
                                                   o amor é uma magia
                                                    a amor, é essa  a magia

                                                         Jorge Willian (Rio, 05/03/1988)

 "O Amor", Com legendas

domingo, 10 de julho de 2011

A Classe Média e os Poetas Maiakóvski e Bertold Brecht


A hilariante canção de Max Gonzaga nos permite refletir sobre um grande setor da sociedade brasileira e sobre a mídia como formadora de opinião. Alguns  se reconhecerão como inspiração do compositor e, orgulhosamente, irão se sentir como as musas dos grandes poetas do século XIX. Embora estejamos no tempo do "poetariado" sem blusa e sem musas, os indivíduos da classe média ainda acham que o mundo foi feito para eles e se esquecem de olhar para além do espelho.

A Música de Max me fez lembrar do poeta russo Maiakóvsi e seus poemas políticos. A preocupação do poeta na poesia conhecida  como Caminho era  nos fazer pensar sobre as atitudes que (não) tomamos diante de determinadas  situações em que o silêncio é sinônimo de conivência com a violência que nos afrige. Em um exercício de intertextualidade, o poeta alemão Bertold Brecht escreveu também um outro poema político em que nós faz pensar sobre a (não) atitude que tomamos perante os que são agredidos a nossa volta, até que... Abaixo o leitor pode assistir a três vídeos: o primeiro com a música de Max, o segundo com um pequeno filme com o poema de Maiakóvski e o terceiro com uma belíssima interpretação do  poema  de Brecht feita pelo ator Ítalo Rossi, que está também poeto por escrito no final desta postagem.
 













    SOU CLASSE MÉDIA (MAX GONZAGA)

               MAIAKÓVSKI

           BERTOLD BRECHT
Primeiro levaram os negros.
Mas não me importei com isso.
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários.
Mas não me importei com isso.
Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
Mas não me importei com isso.
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
Mas como tenho meu emprego, também não me importei.
Agora estão me levando.
Como eu não me importei com ninguém.
Ninguém se importa comigo.
       Bertold Brecht (1898-1956).

segunda-feira, 4 de julho de 2011

e se tudo bailar?

E se o anjo resolver mesmo deixar as asas na cadeira e estas dançarem por conta própria? E se a cadeira roubar as asas e, ao tornar-se alada, também se por a bailar? E se o chão, invejoso de pedra, roubar a leveza das nuvens e tentar uns passos a la fred astaire?


E se o anjo encontrar  olivia newton john e tentar imitar o anjo de jonh travolta tentando imitar fred astaire? E se nesse "embalo", sobre um  sábado qualquer, você  se pusesse  também a bailar na chuva?
Nossa, se tudo passar a bailar assim, prometo voltar a ser  anjo dançarino e pegar minhas moletas para fazer meus pés de valsa.  Larguem minhas asas!!!
                     
                 Rio, 08/12/2010 03h28min