Amigos e/ou Leitores

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

LIBERTO, CAPOEIRA E JOGO DE ANGOLA

No próximo dia 20 comemora-se no Brasil o dia de Zumbi. Além disso, é um dia consagrado para se refletir tanto a influência dos negros em nossa sociedade, quanto as dificuldades que estes passam devido a todo o nosso processo de construção que baseou-se, desde 1530, na exploração da mão-de-obra escrava (tanto a dos nativos, quanto a africana). Este processo histórico perverso nos deixou um legado de injustiças sociais e diversos preconceitos que se estabeleceram e se recriam em nossas consciências. Talvez por isso, o dia 20 é também chamado de Dia da Consciência Negra. Consciência, porém, não tem raça, não tem cor ("alma não tem cor", nos diz a canção). Mas nossa história produziu um racismo que começa pela crença de que existem raças. O que é em si uma polêmica. Cientista discutem se há geneticamente apenas a raça humana ou se culturalmente nossas consciências e nossas ações criam raças, além das etnias e pigmentações de nossas peles. É a genética (biologia) ou a cultura (antropologia) quem tem razão? Creio que isto não importa tanto, pois consciência não tem cor. Tem erros e acertos, tem humanismos, machismo, feminismo, racismos e preconceitos. Tem influências políticas, culturais e históricas que se traduzem em ideologias no sentido de visão de mundo e que, em determinados momentos, são utilizadas por lideranças das mais diversas formas, incluindo a promoção pessoal ou a produção de novos preconceitos.

Prefiro pensar o Dia da Consciência Negra como apenas mais um dia de luta e reflexão contra os preconceitos de cor/etnias. Penso também este dia como possibilidade de facilitar a integração entre as pessoas e de podermos combater todos os preconceitos, inclusive aqueles que não sabemos que temos, como demonstrar ter alguns líderes do movimento negro que, na luta justa pela defesa dos direitos dos que se consideram negro, esquecem que muitos desses direitos também faltam aos outros pobres que tem cores  diferentes em suas peles. Não custa lembrar que ainda não somos todos igualmente libertos e que alguns nos escravizaram e ainda nos escravizam. O dia 20 de Novembro (dia da comemoração de Zumbi, um dos líderes do quilombo de Palmares onde habitavam negros e brancos) precisa ganhar força não como uma festa de uma raça/etnia/cor/povo, mas como festa e luta de todos os brasileiros que ainda sofrem com os preconceitos sociais (de raça, riqueza, profissão, região, religião, etc) e precisam lutar contra as explorações da nossa sociedade capitalista. Estes que sofrem e que precisam lutar formam o tal irmão do primeiro poema, independente da auto-classificação de cor.
  
. Segue também um poema de minha juventude e uma canção também desta época com a letra feita pelo poeta P.C. Pinheiro e interpretada por uma das melhores cantoras do Brasil, Clara Nunes. Pois é: uma foto inspira um poema que faz renascer a lembrança de um mais antigo e de uma música e, por fim, desta pequena introdução. A consciência não tem cor e trava batalhas contra os limites.


      liberto

  preso estou
  amarrado e preso
  estou amarrado
  preso pelos pés
  banzo prisioneiro sou
  pés presos amarrados
  prisioneiro estou banzo
  amarrado e preso
  preso estou.

  ouço um zumbido
  longe a zumbar
  traz recado orunmilá
  eu zumbi também
  e zumbe ganga-zumba
  e zumbe zumbi
  zambiapongo, vem!

  fim do oribi
  liberto estou
  ó, zambe!
  libertação
  quizomba
 ouço zabumbadas
 e que sambe,
 sem zanga
 ó, zambe!
 livre todo irmão.

Rio, 10/11/2010 (2h30m)




       Capoeira
Negro cantou, negro cantou
Negro cantou era noite
Corda cantou, corda cantou
corda cantou era açoite

Dizem que é bela a vida
Mas vida pra negro né bela, não
A vida jamais é bela
Quando existe açoite e escravidão

Negro fugiu, negro lutou
Negro então se libertou

Pois negro é bom
Pois negro é bom
Pois negro é bom
Na capoeira

Mas um dia, então, negro caiu
Vacilou, levou rasteira:
Homem rico prendeu negro
E deu-lhe uma "carteira"

Negro tá preso até hoje, então
Seja manhã ou seja noite.
Já não há corrente, nem açoite
Mas a tal "carteira" é escravidão

Mas negro é bom
Mas negro é bom
Mas negro é bom
Na capoeira

Um belo dia eu sei vou ver
Negro outra vez se libertar
Não vai ter açoite, não vai ter "carteira"
Pois negro é bom na capoeira

E só pra lembrar Jubiabá
Negro é preto, é branco, é prostituta
E qualquer um é negro
Quando se deixa explorar.
Mas negro é bom na capoeira.
   Rio, 24/04/84

Clara não foi a única a cantar esse sofrimento e
 a gravação não está muito boa, mas vale ouvir.


      Jogo de Angola
(Mauro Duarte / Paulo César Pinheiro)


No tempo em que o negro chegava fechado em gaiola,
Nasceu no Brasil,
Quilombo e quilombola,
E todo dia, negro fugia, juntando a corriola.


De estalo de açoite de ponta de faca,
E zunido de bala,
Negro voltava pra Angola,
No meio da senzala.


E ao som do tambor primitivo
Berimbau mharakê e viola,
Negro gritava “Abre ala”
Vai ter jogo de Angola.


Perna de brigar,
Camará...
Perna de brigar,
Olê...

Ferro de furar,
Camará...
Ferro de fura,
Olê...


Arma de atirar,
Camará...

Arma de atirar,
Olê... Olê...


Dança guerreira,
Corpo do negro é de mola,
Na capoeira...
Negro embola e desembola...
E a dança que era uma festa para o dono da terra,
Virou a principal defesa do negro na guerra,
Pelo que se chamou libertação,
E por toda força coragem, rebeldia,
Louvado será todo dia,
Esse povo cantar e lembrar o Jogo de Angola,
Na escravidão do Brasil.


Perna de brigar,
Camará...
Perna de brigar,
Olê...

Ferro de furar,
Camará...
Ferro de furar,
Olê...

Arma de atirar,
Camará...
Arma de atirar,
Olê... Olê...

2 comentários:

Jorge Willian da Costa Lino disse...

O POEMA QUE PENSEI ERA DO FINAL DA ADOLESCÊNCIA, MAS NÃO O ENCONTREI. RESOLVI POSTAR, POR SE REFERIR AO TEMA DA LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS, ESSE OUTRO CHAMADO "CAPOEIRA" QUE FOI FEITO UM POUCO DEPOIS. QUANDO ACHAR O PRIMEIRO (QUE ACHO QUE INTITULEI "ORIBI", QUE SIGNIFICA COLEIRA)E A OCASIÃO PERMITIR, POSTAREI.

Mônica Banderas disse...

Jorge, muito lindo o seu trabalho. É de uma delicadeza e profundidade sem tamanho. Por vezes, custa-me crer que possa existir alguém que ainda se preocupe com o outro. Você faz parte dessa pequena parcela que olha o ser humano com respeito e solidariedade. Amei o seu blog inteiro pois é muito consciente em seu conteúdo.
Um beijo enorme e obrigada pelas suas tantas e tantas delicadezas.