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sábado, 16 de abril de 2011

E. M. Tasso da Silveira - Memórias (Rodrigo Fernandes)

Publico desta vez um texto enviado pelo amigo Rodrigo Fernandes, responsável pelo belo blog "Ao Vinagrete". Rodrigo é um ex-aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira e hoje o encontrei em um ato organizado pelos ex-alunos daquela escola. No ato foi fácil perceber porque aquele estabelecimento de ensino é motivo de orgulho: é uma grande família que, apesar do afastamento momentâneo de parte dos seus membros, mantem o orgulho de pertencimento àquela instituição. O encontro foi uma verdadeira catarse para aqueles que nesses últimos dias estão sofrendo por muitos motivos, onde não se pode deixar de citar o ataque à historia/memória individual de cada um que forma aquela família, da qual faço parte desde 1992, ano em que comecei a trabalhar na Tasso e pude conviver com Valdemar, Claudio , Marina e outros amigos. Segue o texto, espero que gostem.


E. M. Tasso da Silveira - Memórias   (Rodrigo Fernandes) 

Eu sou um pobre homem da Póvoa da Varzim...
(Eça de Queiroz: Carta a Pinheiro Chagas)

Eu sou um pobre rapaz do Jardim Novo do Realengo. Eu era diferente e tive sorte, pura questão de causa e consequência. Diferente pois realmente adorava ir para a escola. Sorte porque minha turma era a melhor de todo o bairro, melhor do mundo. É claro, of course, que a professora de inglês, ainda miúda e bonita em minha memória, era um incentivo e tanto, embora eu nem soubesse muito ao certo por quê, mas não me engano: eu estudava na Escola Municipal Tasso da Silveira.

Ela ficava ali, sólida e tranquila, logo atrás da rua Piraquara, que a gente chamava de avenida pela compridez, entre o conjunto de apartamentos da aeronáutica, onde todo mundo queria morar por que lá tinha piscina, e o terreno da fábrica de vinagre abandonada, cujo o único morador era um cavalo velho e doente. Um terreno imenso, hoje transformado em um conjunto grandioso, onde provavelmente muita gente também quer morar. Quando a quadra estava ocupada pelos alunos mais marmanjos, o que era quase sempre, a gente ia parar na pracinha da Nogueira de Sá (essa avenida de fato) que ainda deve estar lá. No São Luiz, campo grande, quase todo gramado às margens do Rio que corta todo Realengo, da Pedra Branca à Vila Militar e que há tempos, dizem, era repleto de cascudos gordos. Ou na pior das hipóteses parávamos no Alvorada, um rala-côco de primeira, ou última categoria, a gosto do freguês. Essas eram as fronteiras de uma área nobilíssima dentro da imensidão do Realengo, só muito ao longe o morro, hoje comunidade, do Cosme e Damião impunha respeito.

Estudei lá de 1988 a 1993, o antigo ginásio e primário (o nome era esse mesmo?) e tenho fé: não há exagero em afirmar que naquela época, e não se passou tanto tempo assim, a Tasso era a melhor escola pública da região. Bem cotada em qualquer ranking das melhores do Rio. Dizer que estudava lá era um orgulho besta, mas real. Eram comuns as filas dos pais na porta da escola em época de matrícula, eram dias e noites ao relento esperando alguma vaga milagrosa, mas valia à pena. Minha mãe também passou pelo calvário, mas não rolou e só entrei graças a alguma conexão obscura de uma tia com um funcionário do baixo clero da secretaria de educação.

Não era uma escola fácil para jovens homens. Fila, forma, cantar o hino, saudar a bandeira, marchar no 7 de setembro. Uniforme, impecável. Presença dos pais. Tudo isso era cobrado do aluno. Então de onde vinha a alegria de acordar cedíssimo (o horário também era militar) e caminhar um bom par de quilômetros para passar por isso? Confesso que não era um aluno diferenciado, não frequentava os seres abissais do fundo da sala, mas estava muito longe de ser um modelo. Porém sabia – ou melhor, intuía – que estudava numa escola diferenciada. Grandes dias, grandes professores. Ok, havia bullying, sim (cheguei a levar uma bolacha ou duas) e a paisagem em volta da escola mudou um bocado, quase nunca para melhor. Aqui os morros trocando as encostas verdes por barracos, acolá os campos de várzea virando condomínios que tentavam tolamente fugir da realidade. E a Tasso no meio disso tudo, resistindo. E, justiça seja feita, exceto um caso lendário, jamais comprovado e muito provavelmente inventado de um aluno que um dia fora armado para impressionar os colegas, nunca vi nada demais acontecer por ali. Coisas – da pouca-vergonha à alguma violência juvenil – que aconteciam em outras escolas nos chegavam apenas rumorejantes e eram, de fato, para nós, novidades escandalosas. 

Na boa? Descontadas as devidas proporções, a Tasso da Silveira foi o que eu poderia chamar de minha Macondo. Grandes amigos, grandes memórias. É óbvio que as coisas não são como antes e seria cretinice esperar o contrário, mas se a escola perdeu um muito do seu prestígio nos últimos anos, havia uma série de ideias sérias e inteligentes em curso para reverter tal situação (conheci poucos professores tão íntimos de suas escolas). Isso até a última quinta-feira. Liguei para um velho mestre e conversamos o de sempre: os desmandos do governo, a política internacional, o futebol. Não tocamos n’ O Assunto e era como se nada tivesse acontecido, simplesmente porque tudo era impossível e irreal. É difícil entender como os corredores onde aprontei e aprendi tanto por tanto tempo tenham virado um cenário de filme de terror. A tragédia definitivamente não combina com aquela escola. Nem a tragédia, nem malucos suicídas, nem paredes lavadas de sangue e muito menos alunos transformados em alvos móveis. Isso não combina nem com a Tasso da Silveira da minha memória, nem com a real, da qual tenho orgulho e sou honestamente grato. Eu e muita gente, tenho certeza. 

4 comentários:

Renata Sampaio disse...

Numa procura no google achei seu blog, pena que por circunstancias tão ruins...
Esse depoimento aliviou um pouco a alma, fazendo lembrar das minhas recordações, lembrando tudo de bom que essa escola me deu e esquecendo as imagens que a imprensa tem feito dela.
Saudade.

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Renata, valeu o comentário e, realmente, a imprensa em sua busca pela notícia e pela audiência tende a cair no sensacionalismo, mas o tempo é o grande amigo não para o esquecimento, mas para que possamos superar tudo isto que a família Tasso está passando. Vê se aparece para fazer uma visita e amanizar as nossas saudades
Um abração.

Mônica Banderas disse...

Caro Jorge, o diferencial dos seus posts é um só: qualidade. São emocionantes, calam fundo na gente e remetem à uma paisagem de fortes alianças quando podíamos contar com o apoio da família e dos amigos.
O que aconteceu nessa escola foi algo sem explicação. A dor e a ferida aberta será uma constante nas memórias, mas haverá dias de esperança e de refrigério...
Um grande abraço e fica na paz.

Bianca Garcia disse...

Obrigada, Jorge, por publicar o texto do Rodrigo... Ele reluta em retornar com o blog, mas quem sabe um dia??
Ele sempre fala em vc.

Abraço,

Bianca