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domingo, 1 de agosto de 2010

Do que sou e do que acredito ser

          É meio contraditório ser amigo do dialético Heráclito e mesmo assim querer definir meu próprio ser. Segundo o meu amigo, o ser é e não-é ao mesmo tempo. Mas a tentação de querer apenas ser, sem o contraditório sempre presente, é uma tentação tão comum em todos nós que acho que todos compreenderão o meu afã de querer dizer algo sobre o conflito de ser alguma coisa e se achar outra.

           O meu amigo Paulo, ao conferir os poemas expostos no blog, disse da surpresa de me descobrir poeta-sociólogo. Achei interessante o seu comentário, mas me veio uma interrogação já antiga sobre o que sou. Há muito me vejo como poeta , imagem reservada acho que desde os 14 anos. Mas sei que sou professor de História da rede pública. Esta é minha imagem pública. Mas acredito ser poeta. Sei, poeta menor... mas poeta. Pois é desta forma que meu ser mais se expressa de forma mais sensível no mundo. Como poeta “sou um fingidor” e finjo ser professor, sociólogo, revolucionário, doce, bravo, engraçado, casmurro, intelectual, ignorante.

           Por outro lado, o poeta é um escritor. Ouvi dizer (ou li em algum lugar) que um escritor é aquele que quando lhe surge o texto- lá no interior do seu ser- não consegue ter uma noite de sonhos antes de por no papel o tal texto. Eu consigo quase sempre. É a dita imagem pública me cobrando: “vai dormir, amanhã bem cedo tem o despertador, tem trabalho, tem...”. Aí me deito e a idéia do tal texto se esvai. Sou poeta, mas não sou escritor? Sou e não-sou ao mesmo tempo. Voltamos ao velho Heráclito!

         Ah, mas tem noites que o texto que surge dentro aqui é mais forte e manda as responsabilidades de professor para a ponte que partiu... não é público, mas manda mesmo que sou testemunha. Nessas noites o poeta que (acho que) sou exala uma poesia atrás da outra. Escrevo uma, deito. Não consigo dormir, logo vem outra. Umas são bonitinhas, outras ridículas de fazer rir, de dar pena. Mas arquivo em um papel qualquer e deixo na gaveta. Não consigo jogá-las fora e a minha desculpa é a “Saparia no Brejo” do meu amigo e poeta maior de Parsárgada, Manuel Bandeira. Já pensei se o motivo verdadeiro de preservá-las não é o fato de terem conseguido burlar o tal professor e suas responsabilidades.

         Recentemente, fiz um grupo de poemas que chamei, com a preguiça de pensar um nome melhor, de “Sete Poemas de Julho, dia 20”. Neste dia o poeta que acredito ser, realmente gritou mais alto dizendo: ”Mas do que uma crença, eu sou. Esse professorzinho de merda que acredita ser é que é uma mera crença.” Como esse blog é mais do poeta-sociólogo do que do professor de história/sociologia seguem dois poemas feitos pelo primeiro. Posteriormente, para o professor não ficar com o moral muito baixo, prometo expor algo sobre as eleições, sobre a questão negra e sobre a dita democracia americana. Vamos aos poemas:



                   Poética Noturna (poema três)

                            A alma quer poesia

                            O corpo precisa dormir

                            A alma pede poesia

                           O corpo lembra que cedo acordará

                           A alma exige poesia
                           O corpo cobre a cabeça
                           A alma grita poesia

                           O corpo tapa os ouvidos

                           A alma clama poesia

                           O corpo estremece, remexe na cama

                          A alma canta poesia

                          O corpo se entrega, se levanta

                          A alma vira poesia

                          O corpo madrugada canta

                          A alma se faz poesia
                          O corpo poeticamente balança

                          A alma é a poesia

                          O corpo é o dedo que dança no papel

                         A alma gargalha poesia.



                                             Rio, 03h e 27 m









                        Delírios (poema quatro)



                               O que mais dizer para essa madrugada?

                               A alma já se fez poesia

                               E esta se fez corpo.

                               A alma se fez verbo

                               Este se fez carne.

                               O que mais dizer nesta madrugada?

                               É necessária a trindade?

                               Papel, tinta, eu?

                              O que dizer a mais?

                              É preciso a ressurreição?

                              É preciso transmutar

                              E depois de morto

                              Virar palavras?

                             O que mais dizer?

                             O verbo fala através do corpo?

                             Nada disso, A insônia

                             É ela quem nessa madrugada

                             Cria delírios.

                             O que não mais dizer?



                                        Rio, 03h e 36m









4 comentários:

Paulo Gomes disse...

Fala poeta! Poeta Ogum!
Você crê mesmo nesse papo de poeta maior e poeta menor?
Lembra do 'rio da minha aldeia' e 'do Tejo'? Quem maior? Quem é menor? Em poesia, creio, não há maior, nem menor: há a poesia! Ah, a poesia!
Sobre escrever, esquecer; escrever, apagar, num processo de graça e de dor, de dulce e de amaro, lembro de uma história do Gabriel Garcia Marques. Reza a lenda que ele escreveu um monte de poesias e crônicas e, ao final, achando-as ridículas, jogava-as, todas, ao lixo. Sem deixar-se perceber sua (dele) esposa pegava todos os ercritos e guardava. Um dia a editora encomendou-lhe um livro de crônicas e, ele numa assumida secura criativa, disse não ter nada. Sua esposa aparece, com mais de 60 escritos, aqueles jogados ao lixo, e surgiu daí o maravilhoso, na minha opinião, Doze Contos Peregrinos. Livro que li, chorando.
Como não sou poeta, leio.
Valeu poeta! Grande ou pequeno, escreve, publica e anuncia. Precisamos de poesia! Vai, Ogmu, "vai ser um gouche na vida"!

Giovana disse...

Ler o q vc escreve me faz um bem enorme. Como Já te falei sua inteligencia é tamanha.
Valeu por partilhar isso com a gente
bjs

Rodrigo Fernandes disse...

Prezado professor,

Boníssima surpresa encontrar suas palavras aqui. Me lembrei de Gilberto Freyre que considerava que nele o sociólogo, o antropólogo e o pensador não passavam de escravos do escritor. Me lembro também de Drummond, que não se via como o grande poeta que de fato foi (um dos cinco mais relevantes da língua portuguesa, sem átomo de dúvida), mas sim um funcionário público que escrevia poemas nos momentos de folga. Bem... Percebes que estás em boa companhia.

Eu mesmo oscilo quando tento me descrever. Não é fácil, mas, creio eu, que esse movimento pendular, de nunca estar parado, não chega a ser uma maldição. Antes é escolha.

Em tempo. Me "aposentei" temporariamente do Adoro Cinema. Meu endereço filosófico-burlesco agora é esse aqui: www.aovinagrete.blogspot.com

Bração!

Giovana disse...

Adoro passar por aqui, viro mania para mim, todo dia venho ver se tem novidades