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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

DA UTOPIA, DO REALISMO E DA ALIENAÇÃO


Dois poemas. Um é para aqueles que ainda acreditam que o mundo possa mudar para melhor  e para todos. O outro é para os que perderam esse sonho e passaram a acreditar na ideologia do cada um para si. Sonhos utópicos ou realismo egocêntricos são ideologias que tem em comum produzirem  formas sociais de agir. Assim, utopia e realismo se igualam pelo fato de guiarem as nossas ações. Mas há diferenças entre elas. As utopias tentam fazer o ser humano avançar na busca de um mundo melhor (o que só pode ser para todos). Já o realismo nos convence de que sonhos são meras ilusões e isto nos faz aceitar a dura realidade e ideologicamente agir de maneira oposta, ou seja, desistindo de um mundo melhor para todos e aceitar que a única possibilidade é a realidade presente.  Desistir de mudar o presente é também uma ação. Desistir dos sonhos é a ação política do realismo.

Das Utopias de Mario Quintana, foi publicado em 1951 no livro Espelho Mágico. É um poema curto, uma quadra, bem ao estilo do autor. Em seus quatros versos fala com maestria da necessidade do sonho, da utopia. O poema nos remete à história daqueles que sempre buscaram um mundo que no momento era inatingível. Utopia, a palavra,  indica que a sua existência só é possível se acontecer em todos os lugares do mundo ou em lugar nenhum. Em todos os lugares seria real, em lugar nenhum é sonho ("A mágica presença das estrelas").

Da Alienação  fala da tristeza de se perder os sonhos e foi feito em uma noite de 2005.  A inspiração veio de uma reflexão sobre o decantado fim das utopias. Naquele momento lembrei-me da música balsâmica de Cazuza no seu desespero de saber-se aidético. A necessidade da utopia (ou da ideologia, segundo o artista) fez do fim trágico do compositor um dos momentos mais importante do rock de protesto criado no Brasil nos anos 80.

Sou ainda um utópico (por devoção e, dependendo do estado de espírito, por convicção), até porque os realistas não me agradam. Eles são maquiavélicos no mau sentido da palavra. O realismo político da antiga esquerda que se submeteu aos caprichos do capital que o diga. Vejam o ex-líderes estudantis José  Serra ((UNE) e Wladimir Palmeira ou os ex-comunistas Roberto Freire, César Maia. Isto para não falar dos ex-guerrilheiros Gabeira, Dilma, Sirkis... Hoje, são todos pessoas realistas. Abandonaram as utopias e ficaram com os cargos públicos de altos salários. Um preço justo... mas para eles. "E nóis aqui, ó, só tomando..." Há inclusive entre eles o que defende, para ganhar as eleições de forma populista, a "utopia" de um salário mínimo de 600 reais (sic). Não o dele, é claro.

 Prefiro as utopias tradicionais de Thomas Morus e as companhias dos Cazuzas, Quintanas,  e de todos que se entristecem quando pensam na realidade e no fim dos sonhos, inclusive o de Fidel que acreditava na utopia stalinista de socialismo em um só país e hoje defende um Estado que ameaça desempregar meio milhão de trabalhadores. Prefiro a companhia dos anarquistas, dos trotsquistas e outros istas que, pelo menos, diziam NÃO e cantavam junto com o velho Chico que "nós gatos já nascemos pobres/ porém já nascemos livres". Os realistas são pragmáticos, vendem seus sonhos a preço justo. E preferem outra canção do Chico, aquela que fala que "vence na vida quem diz sim". 

A necessidade da utopia permanece, até porque senhores e escravos estão aprisionados nesse mundo que propaga a felicidade individual e muitas doses de calmantes... É muita riqueza e miséria nesse  mundo real. Só as utopias (assumidamente utópicas ou científicas) podem nos tirar dessa letargia que faz todos aceitarem serem meros produtos do sistema capitalista. Temos que refazer a  sociedade. Fazer a História e não sermos feitos como marionettes de um sistema caótico que á vendido como o melhor dos mundos, mas que é- cedendo ao realismo-  acumulador, destruidor e alienante.  


Aos 21 anos
Este jovem pensou  a alienação e morreu
bem velhinho ainda tendo ela como questão.
 É talvez o autor  mais lido, comentado e
 combatido dos século XX e XXI. Quem será?



Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis...ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!

 (Mario Quintana)




 DA ALIENAÇÃO
"Aquele garoto que ia mudar o mundo/ frequenta agora/ as festa do grand monde
(...)/ agora assiste a tudo em cima do muro/ ideologia/ eu quero uma pra viver".

 
Eu já vendi meus sonhos
Troquei por preço justo
E sigo nesse mundo
Cantando assim tristonho

Talvez seja o custo
A dor e o sobmundo
Tornar-me tão estranho
(Aceitar) o que é injusto

Talvez seja o fundo do fundo
Um poço tão medonho
sei, já não me busco,
Já não mudar o mundo.

Já não mudar o mundo
Sei já não me busco
Um poço tão medonho
O fundo do fundo

Aceitar o que é injusto
Tornar-me tão estranho
Sem a dor do submundo                                    
Talvez seja o custo

Cantar assim tristonho
Mas sigo nesse mundo
Que troquei por preço justo
Eu não fiz o meu mundo

Eu não fiz o meu mundo...

  (Jorge Willian)   rio, 23/02/05

2 comentários:

Rodrigo Fernandes disse...

Novamente um grande texto. Um baita desabafo, eu diria. Me lembrou do genial John Lennon falando sucintamente das utopias: "Faz mais quem sonha mais". Em tempo, quem me apresentou esse jovem Marx, foi você.Agradeço até hoje.

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Valeu, Rodigão,
A tua lembrança do Lennon acabou por me fazer lembrar do Rauzito e o tal do "Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só" E a utopia se transforma, segundo o baiano roqueiro. em realidade quando se sonha junto. E por falar em lembranças...bons tempos em que não se tinha tantas dificuldades intelectuais para apresentar aos estudantes o meu "amigo" dialético alemão