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terça-feira, 7 de setembro de 2010

PLUTOCRACIA, SABONETES DE LAMA E ELEIÇÕES

          
   "Olhando a estrela azul/ um quadro a cintilar/ vendendo ilusões/ a quem não pode pagar/ e a vida a passar/ a vida sempre a passar/ passar" (Zeca Baleiro)
            A contradição é uma das essências da vida. É ela que possibilita o movimento e a transformação de tudo que parece estabelecido. Além disso, há contradições que levam à morte o próprio ser em movimento, até porque, uma das essências daquilo que está vivo é caminhar para o seu fim.  No entanto, determinadas contradições parecem negar a própria essência do ser. É como se a existência de algo se opusesse à própria essência daquilo que existe. São contradições que parecem equívocos, que parecem erros ou coisas semelhantes. É possível juntar  expressões do tipo “democracia”, “capitalismo” e “igualdade” e manter a coerência? Ou ainda: “sabonete”, “lama” e “medicina”? Não dá a impressão de que o adjetivo vai contradizer o substantivo? De que a substância será modificada por uma qualidade que a contradiz, que a destrói? Lama medicinal? Democracia capitalista? O estranho é que, por mais paradoxal que nos possa parecer, lama e sabonetes feitos desta matéria-prima existem nas prateleiras das drogarias e lojas de cosméticos. Já  a democracia- afirmam os grandes meios de comunicação- só existe nas sociedades capitalistas. Mas eu acho que devemos colocar várias interrogações no lugar dessa afirmativa e algumas delas seriam: é possível uma democracia capitalista?  existe capitalismo democrático? 


Democracia requer uma certa igualdade de direitos políticos, capitalismo pressupõe desigualdades tanto sociais quanto financeiras. Como juntar esses dois substantivos em um mesmo ser (democracia capitalista ou capitalismo democrático) sem que um se oponha ao outro de forma destrutiva? Como juntar, sem que a democracia ajude a desmascarar o capitalismo ou sem que este torne aquela uma mera ilusão? A democracia pressupõe cidadãos conscientes da própria contradição dos seus direitos com a realidade em que vivem e isto os leva à luta para transformar a realidade em algo novo, pondo, assim, a morte da velha realidade como algo possível e/ou desejável. Já o capitalismo aspira à desigualdade e exala contradições que não possibilitam que a disputa democrática se torne real. Veja a quantidade de capital que empresas e pessoas investem em determinados candidatos.  São, de fato, plutocracia (“capitalcracias”) disfarçadas com a fantasia do voto. E isto não é só na Venezuela, como nos tenta impor os telejornais.É assim também tanto na mais falada democracia, a estadunidense, quanto na nossa.

Para que essas contradições não levem à morte uma sociedade cheia de chagas, o capitalismo nos receita sabonetes de lama, cosméticos adjetivados de medicinal. A matéria-prima é extraída de vários partidos políticos financiados por empresários e suas empresas. Com estas matérias-primas, fabricam-se os candidatos sabonetes que prometem sarar nossas feridas e não extrair o câncer da desigualdade antidemocrática. Os sabonetes de lama são em suas essências todos iguais, mas se apresentam de formas diferentes devido as suas embalagens e aromas. Uns, mais sofisticados, outros, aparentemente populares, mas, na essência nos fazem lembrar do filme “Vale quanto pesa ou é por quilo?” Tudo a mesma coisa.

Todos esses sabonetes estão hoje, por exemplo, participando da defesa da proposta empresarial de diminuição da taxa tributária. Dizem que pago mais de 70 (sic) tributos e que trabalho quase 5 meses para pagá-los. Sabonetes de lama não esclarecem quem paga para por nas telinhas de nossos televisores estas hipérboles que colocam no mesmo saco os empresários e aqueles que vivem com o auxílio do programa bolsa família. A classe média aplaude mas não é esclarecida pela propaganda que, por exemplo,  vinte anos de neoliberalismo em El Salvador reduziram a taxa tributária para 12%(ver número 27 do Le Monde Diplomatique Brasil) e aumentaram o desemprego e a miséria daquele país.

Na atual conjuntura eleitoral brasileira, a mídia dos grandes empresários privilegia três sabonetes de lama, Marina, Serra e Dilma. A primeira, que se apresenta sempre chorosa e entristecida, coloca-se como se neutra fosse e como se não tivesse participado da construção do PT e de seu governo e, por isso, não pode combatê-lo de fato. Marina defende um capitalismo esverdeado, embora saiba que há uma contradição inerente entre os interesses do grande capital (do qual ela jamais se opõem de verdade) e a natureza, que é matéria-prima das indústrias e do discurso da candidata. Marina nos tenta fazer acreditar em um capitalismo da fábrica Natura.  Você já pensou em São Paulo? As grandes montadoras fazendo carros de flor de maçã, rosas vermelhas, folhas de pitanga? O PV tenta nos convencer de que o paradoxo de um capitalismo esverdeado é real. Ou nem tenta de verdade, pois a candidata parece aceitar que já morreu eleitoralmente e que seu único papel é conquistar 10% de votos e barganhar seu apoio em um possível segundo turno. Deveria ter ouvido o Zeca Baleiro: "Tome uma atitude sua besta/ seja uma besta com atitude/ pode ser uma atitude besta/ mas que seja uma atitude".

Serra, que tenta se colocar como vítima se apresentando como lobo em pele de cordeiro, não diz em sua propaganda eleitoral que colocou toda a administração da área de saúde de SP nas mãos de organizações sociais terceirizadas, dando lucros gigantescos a grupos que ganham com as privatizações. O candidato tenta nos fazer esquecer o quanto que os banqueiros lucraram ( e ainda lucram no governo atual) com o seu modelo neoliberal. Tenta esquecer os equívocos do período FHC e poupa o presidente Lula, não porque concorde com este, mas porque tem medo de fazer crítica a um governo bem cotado nas pesquisas de opiniões. Serra é o próprio paradoxo: é a contradição que não quer contradizer. Além disso, é um mau jogador e resvala no golpismo. Desde 2002 se coloca como vítima (pelo menos ele ouviu o Baleiro e seguiu os conselhos do artista) e participa do denuncismo em parceria com  mídia e seus momentos udenistas. Além disso, a mídia do grande capital, que desde o ano passado prioriza o candidato do PSDB privatizador, não se sente obrigada a pesquisar os equívocos das administrações de Serra tanto em Sampa quanto no Ministério da Saúde. É um sabonete de lama que parece imaculado. Imagina se ele tivesse a carinha de padre do Plínio, o engraçadinho da vez...

Dilma, a que vive com um sorriso forçado (do mesmo tipo do sorriso de Serra), é outra contradição, inclusive reforçada pelo lema de sua campanha que nos leva a pensar em permanecer (seguir) e se mover (mudando). Como candidata do PT  só pode ser um poço de contradições. O seu atual partido fez Lula incorporar o espírito do ditador Getúlio Vargas- antes combatido pelo mesmo- ao colocar o atual presidente também como pai dos pobres e defende  que seremos adotados pela Iyalorixá (mâe) Dilma .O PT, que tanto criticou os PCs pelo apoio que estes deram à proposta de pacto social e conciliação nos anos 80, é responsável por fazer a grande conciliação entre capital e trabalho no seu governo, algo que a Nova República de Sarney já havia tentado sem êxito, mas para isso o PT subordinou a maior parte dos movimentos sociais e dos sindicatos. O governo empresarial de Getúlio calou os trabalhadores através do DIP e das torturas. Na chamada atual democracia brasileira, onde há diversos presos políticos– segundo denúncias feitas em diversos números do jornal Nova Democracia-, Lula consegue o silêncio mesmo quando entrega milhões de impostos públicos às montadoras. Sindicalistas, Serra, Marina e Rede Globo se calam sobre isto.

Dilma, diz que tudo será mantido. E será mesmo. Seja lá que sabonete de lama o voto popular (incluíndo o meu e o teu) escolha. Pois o que está em jogo não é a mudança transformadora, esta só é possível com doses cavalar de antibióticos ou amputações e não com cosméticos. Mas as indústrias de ilusões precisam nos fazer acreditar em milagres de profetas televisivos, na crítica abobalhada das piadas do Casseta e Planeta e em sabonetes de lamas salvadores. Mas, dizia  o poeta Belchior, "eu não estou interessado (...)/ em nenhuma fantasia, nem no algo mais(...)/ amar e mudar as coisas me interessam mais".



2 comentários:

Giovana disse...

Vc é simplesmente SENSACIONAL.
Gostei muito desse texto, sua inteligencia é tamanha....
Orgulho de ser sua amiga
Parabens!!!!!

Rodrigo Fernandes disse...

Sensacional ensaio, Jorge.

Claro, profundo e acima de tudo tremendamente lúcido. É um texto que deveria ser lido por muita gente. Deixo a dica: que tal ser colaborador de algum grande portal? (Carta Maior, por exemplo).Creio que muitos ganhariam com isso.

Abraços de sempre.