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quinta-feira, 9 de junho de 2011

ESTAMPAS EUCALOL: QUEIXA (Para Amanda)

Na início do século XX, entre 1926 e 1957, fabricava-se no Brasil os sabonetes Eucalol. Até 1930 houve uma certa rejeição do público aos sabonetes, talvez pela novidade da cor verde já que era feito à base de eucalipto. Até então, sabonetes que aqui eram fabricados tinham cor branca ou rosa. 

A partir de 1930 os sabonetes Eucalol  caíram no gosto popular  devido a uma campanha de publicidade que era uma novidade na época. Os irmãos Stern, proprietários da Perfumaria Myrta que fabricava os sabonetes, lembraram das "estampas  Liebig que tanto sucesso faziam na Europa e resolveram lançar as ESTAMPAS EUCALOL, convidando o público a colecioná-las com um anúncio publicado no suplemento do jornal "A Noite" em 11 de junho de 1930" (1) Os sabonetes passaram a trazer no interior de suas caixas estampas com imagens de temas variados, entre eles das mitologias (ou lendas) europeias e brasileiras, para incentivar o colecionismo. As estampas chegaram até mesmo a serem usadas em escolas como material didático, principalmente as séries de estampas que tinham como título História do Brasil e Lendas do Brasil.

Mais tarde a fábrica foi comprada pela multinacional Gessy Lever que passaram a produzir as estampas Gessy que retratavam astros e estrelas de Hollywood. O imaginário infantil, que antes  se deleitava com as mitologias/lendas e com as viagens que isto permitia, saiu perdendo para o mundo das imagens de estrelas do cinema e da televisão. Com o mundo da televisão, o imaginar começou a perder espaços para o visualizar. A imaginação que produz imagens estimulada pelo exterior perdeu espaço para as imagens prontas e produzidas por terceiros: imagens criadas pela mente substituídas por imagens prontas nas telinhas dos televisores. Nossa infância perdeu um pouco do delírio e ficamos paralisados pelos raios paralisantes captados pelas antenas e produzidos não se sabe onde. O romantismo também perdeu um pouco: novelas foram substituídas por telenovelas. As primeiras escritas para serem lidas (nos livros). Depois interpretadas nas rádios. De ambas as formas produzíamos imaginações. As telenovelas, não. Muito mais imagens prontas, restando pouco para imaginarmos. A não ser, o próximo capítulo, mas que virá pronto com suas histórias e imagens. O leitor é mais atuante (imaginante, imaginador) do que o telespectador. Este, passivamente, assiste, vê imagens. Querem um mundo passivo, posto que este não se queixa, aceita tudo como dado e acabado. A imaginação é menos domável, por isso mais livre para queixar-se, reclamar do que a incomoda. Querem um mundo cativo, a imaginação se queixa pois quer um mundo livre.

Em homenagem aos delírios infantis estimulados pelas extintas estampas do sabonete eucalol, o poeta Hélio Contreiras criou a música "Estampas Eucalol". A bela canção deveria ser mais conhecida pelo público brasileiro. Ela possui diversas gravações e nos remete à mitologia e ao sabonete com suas estampas. Mas o grande público a desconhece. Aproveito o espaço do blog para divulgar a canção e o grande intérprete e compositor Xangai. Aproveito e posto junto o poema "Queixa", que originou esta postagem, posto que fora feito para Amanda, a "minha professora", que sabe que eu "toreava o Minotauro" e que "mergulho no oceano abissal" e que ainda "luto contra os dragões", mas que  subo "o monte Olimpo" com estes desejos que tenho de um "Ícaro" que não foge do sol.
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(1) in  Samuel Gorberg : "O que são estampas eucalol" (Blog "Cultura e Conhecimento)
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Estampas Eucalol  (Hélio Contreiras)
Intérprete: Xangai

Montado no meu cavalo
Libertava prometeu
Toureava o Minotauro
Era amigo de Teseu
Viajava o mundo inteiro
Nas estampas eucalol
A sombra de um abacateiro
Ícaro fugia do sol.

Subia o monte Olimpo
Ribanceira lá do quintal
Mergulhava até Netuno
No oceano abissal
São Jorge ia prá lua
Lutar contra o dragão
São Jorge quase morria
Mas eu lhe dava a mão
E voltava trazendo a moça
Com quem ia me casar
Era minha professora
Que roubei do Rei Lear.


QUEIXA (Jorge Willian)
Quando te deitas
e teus lábios não me beijam
martírio:
meu corpo todo se queixa
onde o delírio?
onde o êxtase?
onde minha gueixa?

Rio, 26 de maio de 2011

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