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sábado, 2 de outubro de 2010

O CANTO DA EMA: A INTERNET E A POLÍTICA ( SETE PONTOS PARA UMA REFLEXÃO)

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Tenho recebido muitas e-mail falando de política, o que é normal devido às eleições do dia de amanhã. Alguns são engraçados, poucos são questionadores e muitos pregam a favor ou contra uma candidatura. Comecei a reparar, porém, que quase a totalidade desses e-mail não são produzidas pela pessoa que me enviou. Na verdade, foi produzida por alguem desconhecido (na maioria das vezes anônimo) e passado adiante produzindo, assim, uma corrente gigantesca de propaganda de tais mensagens.

Não sei se acontece com o leitor, mas comigo reparei que quase todas as mensagens recebidas tentam difamar o presidente e a candidata do PT. Algumas vezes tentei responder dizendo que não acho correta a campanha de difamação que estou assistindo nesses e-mail, que não acho digno esse tipo de política e que não concordo nem mesmo com a campanha feita pela grande Imprensa (inclusive postei dois texto sobre o assunto neste blog) e seu candidato. O estranho foi que as pessoas acharam que eu estava chateado com elas. "Não, tive que dizer, só não acho correto deixar um erro sem refutação. Não posso e não devo deixar de me indignar com este tipo de politicagem que já foi usada muitas vezes pela direita e que agora se repete".

No passado recente da América Latina, era o jornal  que divulgava campanha difamatória contra os grupos de esquerda. Isto aconteceu, por exemplo, com  presidente deposto do Chile, Salvador Allende, desde quando ele foi candidato pela primeira vez . O mesmo foi feito em 1989 contra o então representante das lutas sociais no Brasil, o candidato Lula. Hoje não só os jornais produzem e propagam difamações, a direita também usa os computadores da classe média para propagar mensagens nefastas. Incluíndo, entre estas, associações entre políticos e satanismo. O intuinto, é claro, de se aproveitar da boa fé e das crendices de nosso povo.

 Mas porque o PT, agora tão docilizado, ainda atrai o medo e o rancor da direita a ponto dela produzir tais coisas. Tentei fazer uma pequena reflexão para uma amiga e reproduzo aqui, um pouco modificado, meus pensamentos.

1) Os grandes poderosos  no Brasil - banqueiros, latifundiários, os donos da Mídia, etc- sempre tiveram o Lula como inimigo (mais do que adversário). Um bom livro sobre o tema  é "O Jogo da Direita" do falecido René Dreifuss, o mesmo autor dos imperdíveis  "A Internacional Capitalistra" e  "1964, A Conquista do Estado". Em o Jogo da Direita, livro lançado no primeiro semestre de 1989,  Dreifuus prova, através das leituras de jornais da época, que o empresariado  diferenciava o advesário Brizola  do inimigo Lula e que tinha como candidato preferencial o sr. Mário Covas do PSDB paulista. Como sabemos, tiveram que se contentar com Collor, em uma aventura política que tinha como objetivo impedir uma possível vitória do candidato tido como inimigo. O combate  era tão desleal que rádios de empresários religiosos diziam para se votar no Collor porque o outro era o candidato do diabo. Qualquer semelhança com a campanha atual contra a candidata do PT não é mera coincidência.

2) Porque Lula seria para a direita e os empresários o inimigo? (obs: hoje ele é um mero adversário). A resposta não se reduz a uma individualidade. Lula era o inimigo porque é fruto do PT, partido que na época comandava as greves e as lutas populares. E estas, não podemos esquecer, permitiram aos trabalhadores conquistas nos anos 80 que são combatidas até hoje pela elite política brasileira. As organizações criadas pelos empresários (CNI, FIESP, UDR...) todos os anos enviam propostas de reformas constitucionais através de seus representantes políticos eleitos com o voto do povo. Desde 1990 a Constituição atual é remexida sempre para tirar direitos dos trabalhadores. A participação do PT e outros partidos de esquerda permitiram avanços sociais e políticos a ponto da Constituição ser chamada de cidadã. Hoje, ela é meramente empresarial.

3) Mas se o PT mudou porque combatê-lo tanto? O PT foi importante após 2002 para estabilzar a política brasileira: estávamos em crise econômica profunda desde 1998. No governo do "príncipe dos sociólogos", nossas divisas eram mínimas e com um grande arrocho salarial., o juros da dívida interna era gigantesco ( se os 10% de hoje é considerado grande, imagine os 52% da época). Tal situação era o prenúncio de greves e instabilidades políticas e sociais. Era necessário para a manutenção da ordem um político mais popular e Lula seria um bom nome para controlar as possíveis revoltas.Inclusive, em 2002 Lula não apanhou da mídia, pelo contrário, esta passou a dizer que ele falava a lingua do povo, era o  "Globinho Paz e Amor". Lula tinha carisma e o seu grupo político passou a ter pleno controle do PT. A Articulação, corrente petista do qual faz parte, havia controlado e expulsado os grupos ditos radicais. A CUT também havia sido controlada por essa fração petista. No entanto, a elite tem medo que o radicalismo petista esteje só adormecido e que o monstro acorde e a devore. "A ema gemeu no tronco do juremar".

4) Além disso, no mundo todo, o Estado tem retirado direitos dos trabalhadores. Até as migalhas estão sendo retiradas. Por outro lado, o PT, mais parecido com a social democracia do que com o socialismo, não aceitou que diversas propostas de retirada de direitos trabalhistas vindas do empresariado se tornasse reais. Houve debates, mas foram empurrados com a barriga. O empresariado no Brasil está ávido de reformas trabalhistas e tributárias. Quer por que quer aumentar a sua taxa de mais-valia e lucro. Para isso é mais fácil contar com o PV, o DEM e o PSDB, partidos que representam mais claramente os interesses de grandes setores do empresariado que luta por um Estado mínimo, tributos mínimos, direitos trabalhistas mínimos e lucros máximos. É por isso o apoio que a mídia empresarial dá a esses partidos.

5) Vários setores do empresariado apostam na Dilma como possibilidade de  manter o sonho que só o Lula conseguiu lhes oferecer: crescimento da economia, enriquecimentos da burguesia (principalmnte a do setor produtivo e ainda mais do setor industrial) e estabilidade política com a diminuição de greves. Mas tem setores  que não estão tão satisfeitos assim, a começar pela burguesia radicada em São Paulo que , apesar de ter tanto, sempre quer mais. Em 2006, por exemplo, ela queria uma posição radical contra a Bolívia porque queria o gás de petróleo barato produzido naquele país. No início de 2007 era gás produzido no Rio que estava indo para as fábricas de Sampa. O governador carioca Cabral teve que ir a Brasília cobrar o apoio dado ao presidente. O gás voltou para o seu estado.

6) Dilma teve no passado posíções parecidas com a de Gabeira do PV:  lutou contra a ditadura em grupos radicais. Isto na época foi o que restou para os inconformados com a ditadura. Devemos lembrar que nesta época dava cadeia  protestar e se agrupar políticamente em partidos de oposição ao sistema (não podemos contar como oposição o partido do "sim, senhor", o MDB). Diversos jovens optaram pela luta armada contra os ditadores. Não acreditavam mais "nas flores vencendo canhões". Achavam que "quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Morreram ou  foram torturados e perderam companheiros. Outros jovens ou estavam alienados ("Paz e Amor") ou se alienaram por conta própria e foram cuidar de seus micromundos. Dilma hoje tenta esquecer esse passado de luta, que a direita agora usa  para produzir medos e  difamações políticas. A direita continua viva e a perseguir quem a combateu no seu passado ditatorial. Muitos deveriam ter sido presos com o fim da ditadura (os torturadores, por exemplo), mas eles estão por aí soltos e faceiros e a destilar ainda seus ódios que nascem do eterno medo que tem do povo.

7) A classe média continua sendo usada pela direita empresarial e política. Esta espalha seu medo tentando fazê-lo crescer de forma a conquistar todos os corações, a começar pelos corações da classe média formadora (repetidora, para ser mais preciso) de opiniões. Usa da legalidade através da grande imprensa televisiva ou escrita e da ilegalidade através da internet espalhando e-mail sem assinatura de pessoas reais, e-mail  com nomes de  pessoas que são avatás de quem escreve. O medo se espalha e passam, os que acreditam,  a achar que comunistas comem criancinhas em churrascos e que vão tomar as nossas casas.

Em uma antiga canção, João do vale dizia que " a ema gemeu no tronco do juremar/ (...)/você bem sabe que a ema quando canta vem trazendo no seu canto um bocado de azar/ eu tenho medo pois acho que é muito cedo,/ muito cedo, meu benzinho, pra esse amor se acabar". A "ema" está gemendo na internet e na grande mídia e em algumas igrejas. Será que nosso "amor" vai se acabar? Talvez. A dita democracia é uma excessão e a ditadura é da natureza da nossa répública.


                                              *******

O Canto da Ema

( João do Valle / Aires Viana / Alventino Cavalcanti)

A ema gemeu no tronco do juremar
A ema gemeu no tronco do juremar
Foi um sinal bem triste, morena
Fiquei a imaginar
Será que é o nosso amor, morena
Que vai se acabar?

Você bem sabe, que a ema quando canta
Vem trazendo  no  seu canto um bocado de azar
Eu tenho medo
Pois acho que é muito cedo
Muito cedo, meu benzinho,
Pra esse amor se acabar

Vem morena, vem, vem beijar
Dar um beijo
Pra esse medo
Se acabar


7 comentários:

Giovana Bansi disse...

Ja falei mais de uma vez o quanto aprendo sobre politica ao ler seus posts, pois você fala sobre isso de forma clara e brilhante e eu consigo entender algumas coisas que eu nunca consegui compreender, dentre elas o pq de tanta "raiva" do PT.

Tenho uma aluna de 9 anos na Tasso que veio me dizer isso, me pe dir que não votasse na Dilma pois ela esta com uma doença grave e s ela morrer o vice dela é "amigo do diabo", como pode isso? Uma criança de apenas 9 anos, ai nesse mesmo dia recebi um email falando sobre isso, e dpeois o post do Ed, e fiquei pensando, será que essa aluna tb leu isso na Internet, será que ela sabe o q está falando, é lamentavel que as crianças tenham acesos a essas coisas sem que tenham maturidade de entender tamanha crítica
Beijos

Jorge Willian da Costa Lino disse...

É Geovana e isso está sendo chamado de onda verde. Um nome melhor para o crescimento da Marina no Rio de Janeiro deveria ser onda da inquisição, aquela que na idade média varria a Europa com suas fogueiras e inventando bruxas para caçar e queimar.

Edmilson Borret disse...

Jorginho, vc se pergunta por que o PT, agora tão docilizado, ainda atrai o medo e o rancor da direita a ponto dela produzir tais coisas. Vou passar a chamar essa atitude da direita de "síndrome de Regina Duarte". Lembra dela na campanha do 1º mandato do Lula, dizendo "eu tenho muito medo"???... kkkkk

Paulo Gomes disse...

De onde vem o diabo?
Será do diabolo?
Será do dialógo?
Será do diabólico?
Será do dialógico?
Será do dialógico, dialogar diabolicamente?
Será o diabo dialógico e, dialeticamente democrático?
Será, como dialoga o poeta, arte?
Será sorte ter o diabo?
Ou será coicidência o prefixo DI?
De Dilma
De Diabo
De Dialógo?
Fora os SIMBOLOS! VIVA os DIÁLOGOS!
Saudaçoes fraternas,
Pátria Livre! Venceremos!!!!
Paulo

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Valeu, Paulo, pela reflexão poética. Só tenho o cuidado de acrescentar que o Sé de Serra não é uma Santa Sé, que também não é santa(rsrs). Sobre o símbólico e o diabólico tem uma bela introdução do cristão Leonardo Boff no seu livro "O Despertar da Águia". Segundo ele o sim-bólico e o dia-bólico são princípios estruturadores da natureza e do cosmos, dos comportamentos sociais e da natureza humana.

Edmilson Borret disse...

Essa dicotomia entre o sin e o dia remonta ao pensamento grego. Não à toa estamos falando de 2 prefixos gregos... rsrs
Não li esse texto do Boff (vou procurá-lo, inclusive), mas sabe-se que para os gregos esse par "simbólico"/"diabólico" não possuíam o caráter maniqueísta que significaria "bem"/"mal", mas tão somente seriam as forças reguladoras e opostas necessárias ao equilíbrio natural de tudo o que existe: uma força que traz para junto (que agrega, que condensa) X outra força que leva pra longe (que dispersa, que separa). Muito espertamente, o judaísmo-cristianismo (mais o Cristianismo, acho eu)se apoderou dessa noção de "diabólico" para significar o mal. Aliás, o Cristianismo se apodera de outro termo grego, o "daimon", mal traduzido para "demônio" mas que para os gregos nada mais é do que uma força motriz inerente a todo ser, uma força interna que nos leva a fazer o que deve ser feito, uma inspiração, quase uma centelha do poder dos deuses ( e, por falar em centelha, o mito de Prometeu nos teria muito a dizer sobre isso).
Foi o Cristianismo que consolidou essa visão dualista/maniqueísta a partir do IV século. Não que não houvesse o mal para os gregos, mas este não era regido por uma entidade, como foi chamado de demônio ou diabo. Na verdade o Cristianismo primitivo tinha somente Javé, seu filho Jesus e o Santo Espírito. Na Idade Média é que surge a figura do diabo como aquele que tenta os homens contra Deus. Começa então a se prefigurar uma teologia do medo do mal. O mal deixa de ser fruto da opção humana, dos seus desejos, da sua inspiração, da sua centelha, passando a ser fruto da tentação de um deus menor, muito poderoso, chamado Diabo.

Rodrigo Fernandes disse...

Lendo os comentários acima me lembrei duma frase do genial Guimarães Rosa: "O Diabo é às brutas, mas Deus é traiçoeiro".