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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

AS CONCEPÇÕES DE ESTADO DO PSDB E DO PT: LIBERALISMO VERSUS DESENVOLVIMENTISMO

Parece que retornamos ao debate político e econômico dos anos 50 e 60. O Mundo capitalista brasileiro parece um eterno retorno de suas dúvidas: ser ou não ser liberal? Ser ou não ser desenvolvimentista? Ser tsunami ou marola?
              
Como sabemos, a luta empresarial pelo aumento da taxa de mais-valia tornou-se ainda mais forte no período posterior aos anos 80 do século passado e dois fatores, entre outros, possibilitaram que o aumento da ganância empresarial se realizasse através da política: o fim do chamado socialismo real europeu e as políticas econômicas efetivadas pelo países capitalistas que ressuscitaram o velho liberalismo. Este último fator, que foi capitaneado pelos EUA e pela Inglaterra, passou a ser chamado pelo apelido de neoliberalismo e foi ganhando corpo em diversos países, inclusive no Brasil de Collor e FHC.

O apelido neoliberal tentava passar como novidade um velho receituário do século XVIII.  Acharam que éramos neobobos e  venderam para o mundo o passado como novidade. O discurso, articulado por marqueteiros e pela mídia empresarial, parecia moderno e convenceu parte do eleitorado do mundo de que o paraíso era o capitalismo selvagem. E, assim, cabia ao Estado ser um mero espectador da ganância empresarial devorando os empregos, os impostos, as empresas públicas, as moedas nacionais e os limites nacionais com as suas barreiras alfandegarias. Na verdade, era a continuação da mundialização do capital já refletido no Manifesto Comunista  por Marx e Engels ao tratarem da expansão do mercado mundial.

O liberalismo dos economistas clássicos do século XVIII criou a a falácia de que o Estado não deve intervir na economia. Afirmo que é falácia porque ele sempre intervém. Nem que seja para abrir mão de impostos (normalmente das empresas) ou para usar a sua força militar e patronal para impedir greves, como o fez o governo de FHC em 1995 usando tanques de guerra para acabar com a greve dos petroleiros e com as demissões em massa para punir os grevistas. Além disso, o Estado intervém também quando vende as riquezas públicas ou quando empresta dinheiro para as grandes empresas.

No Brasil pós-Collor, principalmente no período do governo de FHC, imperou por aqui o ideário do liberalismo. Nosso príncipe dos sociólogos, conforme foi chamado Fernando Henrique Cardoso pela  mídia serviçal, acreditou na velha mão invisível de Adam Smith e na ideologia elitista de que "o que era bom para os países do chamado primeiro mundo era bom também para o Brasil". Esqueceu até mesmo dos textos que leu de seu antigo companheiro de academia , o cientista político Hélio Jaguaribe.

Jaguaribe, apesar de seus equívocos teóricos e políticos, demonstrava, mesmo antes de 1964, que o liberalismo das economia capitalista dos EUA e Inglaterra era possível porque ambos os países estavam historicamente na frente no início da Revolução industrial. Atrasada na história do desenvolvimento industrial, a Alemanha de Bismarck e da luta pela unificação no século XIX seguiu outro caminho e se preocupou em fazer um estado interventor para proporcionar o desenvolvimento do novo país unificado.

Jaguaribe acreditava na necessidade de uma terceira via entre o liberalismo capitalista e o socialismo soviético. Assumiu a defesa de um estado neobismarckiano autoritário e com forte influência da burguesia industrial para que houvesse uma socialização do capitalismo. Como sabemos, acabamos em um uma ditadura com uma gigantesca concentração de renda e dominada pelo capital financeiro. Em finais dos anos 70,  a ditadura burguesa perdia força e a burguesia industrial fez coro com aqueles que lutavam pela redemocratização do Brasil. Mais tarde, em 1988, Jaguaribe se juntou a  outros intelectuais ligados à burguesia brasileira e ajudou a fundar o PSDB. A proposta de socialização do capitalismo como forma de combater o socialismo das origens do PT é bastante visível na candidatura de Mário Covas e do PSDB dos anos 1990.

Em 1994 o PSDB conquistou a presidência e o poder do Estado nacional através da candidatura de Fernando Henrique Cardoso, o ungido pela mídia empresarial, mas as ideias deste divergiam das ideias de Jaguaribe. As únicas semelhante eram o combate ao socialismo e a visão autoritária em relação às organizações dos trabalhadores, como bem demonstra o caso da greve dos petroleiros de 1995, nos primeiros meses de seu governo. Por outro lado, FHC não acreditou que o motor do desenvolvimento era a burguesia industrial, como defendia Jaguaribe. O então presidente manteve a hegemonia do setor financeiro (banqueiros nacionais e internacionais) e acreditou que despachar as nossas empresas estatais (vendidas a preço de banana) era a solução. Era a visão neoliberal derrotando a social democracia de seu partido e a socialização do capitalismo de Jaguaribe. A hegemonia da ideologia neoliberal no PSDB de Fernando Henrique deu no que deu: quase falimos, nossa economia além de deficitária destruiu parte do nosso parque industrial, o real pré-fixado em um dólar impulsionou as importações de supérfluos (o paraíso da classe média consumista) o que ocasionou uma quase destruição das reservas cambiais causando baixas no ninho tucano. Um exemplo foi o apoio de Cândido Mendes ao candidato Lula e a saída de Cyro Gomes que hoje circula no complexo partidário formado pelo PT-PSB-PDT-PCB  e parte do PMDB.
Este complexo partidário capitaneado pelo PT não tem nada de revolucionário. Não pretende tornar o país socialista e nem mesmo baixar a taxa de mais-valia dos empresários. Mas sua visão estrutural de como deve ser uma sociedade capitalista é diferente daquele que pretende o retorno do  velho (neo)liberalismo da era que vai de Collor até FHC. Esse grupo não é contra todas as privatizações, mas defende que algumas empresas estratégicas sejam administradas pelo Estado com dois propósitos: possibilitar uma espécie de desenvolvimentismo independente (o que difere do desenvolvimentismo do período, que acabou aumentando o descontrole cambial e posteriormente nos levou à crise da dívida externa pré-1964) e poder financiar uma pequena distribuição de renda que não significa necessariamente diminuição das desigualdades. Neste sentido, a concepção de Estado do PT e de seu complexo partidário é de um neodesenvolvimentismo que tenta pactuar um maior número de capitalistas e fazer uma pequena marola de redistribuição de renda como forma de impulsionar o mercado consumidor interno. Seria uma espécie de socialização do capitalismo proposto por Jaguaribe? Seria, como pensava este, uma forma de evitar cair no falido liberalismo e no socialismo soviético?

No período neoliberal de FHC a desigualdade além de aumentar (como em qualquer país neoliberal) não possibilitou em seu segundo mandato redistribuir renda. No primeiro, o fim do processo inflacionário e as reservas acumuladas nos dois anos de Itamar Franco permitiram que uma parte dos mais pobres tivesse uma pequeno aumento do poder de compra. Isto facilitou a reeleição do "príncipe" sociólogo, porém, assim que urnas se fecharam, o real caiu na real e descobriu que valia apenas meio dólar. As reservas cambiais estavam no fim e o governo FHC reduziu o valor da nossa moeda. Como dependíamos muito dos dólares, as taxas de juros eram realmente gigantescas. Com a inflação baixa, FHC deixou o governo com a taxa selic em torno de 20%, era um juros muito alto, assim como deixou alto o risco Brasil, a dívida externa e a interna que fora dolarizada nas negociações do seu governo com os credores. O que não era bom para os países ricos, foi trágico para o Brasil, México Argentina, etc. Só quem ganhou foi o grupo de banqueiros que viviam de juros sem produção. Dinheiro gerando aumento de dinheiro para meia dúzia sem nada produzir. Não era nem capital financeiro, era meramente capital bancário ou de agiotagem legalizada pelo liberalismo.
Mas se este modelo adotado pelo PSDB deu errado, porque a maior parte da imprensa luta tanto para impor o candidato do seu partido,  Serra? É só abrirmos as páginas de O Globo/Extra, Folha de São Paulo, Veja, Estado de São Paulo, Época, etc para percebermos que uma grande parte da imprensa se coloca como partido. Inclusive, alguns assumem que se colocam como partido de oposição dizendo que no Brasil a oposição é muito fraca. Mas porque esse grupo dominante da imprensa (que as vezes alguns analistas chamam de PIG: Partido da Imprensa Golpista)  faz a defesa da candidatura neoliberal?

Podem ser muitas as respostas mas uma das desculpa dada por esse setor da mídia é a necessidade de se diminuir impostos para diminuir o custo Brasil (aumentando o lucro dos empresários) e combater  o Estado chamado de deficitário que, por exemplo, mantém as atuais regras para a aposentadoria. Para esse setor da mídia o projeto neoliberal combate de forma mais contundente essa questão. Quase todo santo dia a mídia empresarial nos apresenta a pregação , por exemplo. do velho ministro da ditadura de 1964, o Sr. Reis Veloso, repetindo o velho sermão de que o Estado terá que fazer mais uma reforma previdenciária tirando direitos dos funcionários públicos e trabalhadores do setor privado.  Nos dois casos, quem ganha de fato é a classe empresarial que, além de aumentar a sua taxa de mais-valia através da diminuição dos custos dos impostos, teria mais possibilidade de conseguir empréstimos mais baratos financiados pelo BNDES estatal e outros bancos do Estado. Além disso, a venda de empresas estatais para empresários brasileiros e estrangeiros possibilitaria a estes a compra de ativos extremamente lucrativos que hoje, estando nas mãos do Estado, não podem enriquecer ainda mais as grandes empresas financiadoras da maior parte da grande imprensa.

Portanto, está em jogo na atual eleição duas concepções capitalistas do Estado. O PSDB, que não tem nada de social-democrata, propõe um modelo liberal surgido no século XVIII e adaptado nos últimos 30 anos. Sua proposta cria tsunamis sociais como tem ocorrido nos EUA, Grécia, França Espanha, Portugal e, em breve, na Inglaterra.

Por outro lado, o modelo capitalista do PT propõe um Estado desenvolvimentista que busca um crescimento mais"independente" e pautado nas empresas privadas e em algumas estatais que alavancariam o crescimento econômico. Propõe marolinhas de distribuição de renda a partir do assistencialismo e, para isto, necessita de manter a arrecadação de impostos, o que ocorre ou via crescimento das alíquotas ou, como tem sido feito, via aumentos da arrecadação acompanhando o crescimento econômico. Sua proposta, creio, está mais perto da socialização do capitalismo para impedir a luta pelo socialismo de Hélio Jaguaribe do que a que foi feita por FHC e é proposta por Serra. Além disso, estes mantém a visão autoritária daquele autor e o PT tenta dialogar de forma a hegemonizar as organizações dos trabalhadores.

Marolas ou tsunamis, eis ainda a questão. No próximo domingo saberemos o caminho que tomaremos. E, é claro, o debate retornará. Os anos 60 e o século XVIII ainda estão presentes aqui e agora.

2 comentários:

Rodrigo Fernandes disse...

Grande Jorge,

Nunca um filme mostrou esse tal capitalismo (e de reboque, o neoliberismo) de uma forma tão perversamente brutal quanto "Wall Street". Ainda não assisti a sequência que estreou esse ano, mas o filme de 1987 dificilmente será igualado, vale muito a pena assistir. É uma aula de economia, mercado e do que as grandes corporações são capazes. É mais realista que todos os documentários do Michael Moore juntos.

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Não conheço o filme, mas vou tentar encontrá-lo. Gostei muito do "Capitalismo, Uma História de Amor" do Michael Moore.