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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Dois Contos de Poeta

                                                   A DOENÇA

Foto da natureza do inverno Ao acordar naquela manhã fria e cinzenta, ele sentiu-se doente. A fraqueza se apoderava de seu corpo já fazia alguns dias e ele se acreditava forte. Mas naquela manhã ele tinha certeza que estava doente. Mas não sabia que doença era aquela. Não fora ao médico, pois sabia que médico nenhum poderia dar jeito. Desconhecendo a sua doença, ele ele já não sabia como lutar e, assim, ela se tornava mais forte e dele mais se apoderava.

Agora, mais fraco, ele lembrou-se de alguns amigos, de como eles ririam do seu sofrimento. Diriam,talvez: "Você?! o mais racional dos homens, o mais forte não sabe como combater tal mal?" Outro amigo, com certeza, lhe diria: "Eu não te falei que todos somos propensos! Que não existe imunidade contra essa doença!".

 Assim ele desistiu de procurar os amigos e ficou a refletir sobre o que sentia. Sua doença não era física, embora fosse somática aquela sensação de fraqueza. Não era física, mas também não era mental, ale acreditava. Ela era muito forte, embora não rude, até porque o deixara mais delicado, mais sensível.

Ele ligou o rádio e todas as canções lembravam alguém. Até as canções que achava chatas de amor-brega- como ele dizia- agora profundamente tocavam o seu ser. Batiam no estômago, faziam ele estremecer.

Ligou a televisão e os dramalhões de amor-difícil das novelas pareciam, também agora, retratar aquela coisa dentro dele.

Pensou nos livros como possibilidade de fuga. Nada. Não havia uma página lida após uma hora de tentativa. Sua concentração perdera-se nos passos de outro ser. A sua doença residia nesta alienação: não estar em si, mas na busca do outro.

Mas ele se queria forte e lutando contra a fraqueza somatizada. Saiu pela rua a procura de um bar onde houvesse músicas, amigos, chopps, fugas. Desta forma ele tentou percorrer o mesmo caminho de sempre, o do bar predileto.

No entanto, suas pernas começaram a caminhar por um viéis desconhecido. Independentes, elas não seguiram o comando de sua vontade. Quando percebeu onde estava, viu que além das estrelas da noite, só ele e o mar se faziam presente. E o mar pareciam dizer-lhe que aquela doença era tão profunda quanto ele. Foi assim, que o homem que se queria forte, percebeu-se chorando. A sua solidez se desmanchava e parecia transformar-se em ondas do mesmo mar que com ele conversava.

De repente veio um desejo de fuga ainda maior, que o livrasse da dor, do pensamento, da doença. No impulso de concretizar o desejo jogou-se no mar. Afogado pela doença, pensou que bastava afogar-se no mar e se livrar daquela sensação de não estar em si, da fraqueza que o maltratava, destruia e negava a sua auto definição de forte.

 Não. Não bastava se jogar no mar. Era necessário que este o quisesse dentro de si. Mas não sabia ele que o mar também tem seus caprichos. Inspirador de poesias, sobrevivência de pescadores, campo de batalhas de marinhas de guerra, não quis o mar aquele corpo covarde que, por medo do amor e da saudade, adoecera e tentava escapar da vida. O mar o vomitou: não queria se intoxicar com aquele ser que se queria forte mas que  tentava fugir.

No amanhecer do outro dia, os pescadores o encontraram dormindo nas areias. Pensaram se tratar de um vagabundo bêbado. Passaram ignorando seu sofrimento, sua doença, suas dores.

Ele voltou, mais tarde, para casa. Ligou outra vez o rádio e o poeta lhe disse: " Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar?" Furioso ele gritou: " E você, sabe lá o que é estar se afogando fora do mar?" Como resposta só ouviu a frase que dizia que "a dor do amor é navalhada que dói. Dor. Dor. Dor". Ainda mais furioso e com vontade de chorar ele falou baixinho:  "que porra de doença é essa?" Ouviu como resposta debochada antes de jogar o rádio no chão : "acaba a valentia de um homem quando a mulher que ele ama vai embora, tanta coisa muda nessa hora, que o mais valente dos homens..." Quebrou o rádio.

Naquele dia, ele quase morreu de solidão. na sua mente ouvia o riso dos amigos que pareciam trilha sonora para as imagens da mulher que partira. Mas ele ainda não sabia qual era a sua doença. Não era a da fuga da mulher, pensava ele. O poeta sabia que a sua valentia se fora com ela, mas pensava ele: não é disso que sofro realmente.

Trancou-se em seu quarto por vários dias buscando seu próprio ser. Mas este estava na busca alienada de outro. Ele cada vez enfraquecia mais. Trancado não comia, não bebia. Trancado ele enfraquecia. A doença se fortalecia e ele, ainda mais se dedicava na busca do outro ser. Passou dias solítario. E solitário morreu.

Na certidão de óbito se pode ler que o paciente era depressivo e foi encontrado morto em seu quarto. Disseram os vizinhos que ele parecia estar viajando e que só acharam estranho quando o cheiro de solidão começou a invadir as suas casas. Depressão. Buraco profundo que, diferente do mar, o recebeu. 



                                    O PAQUERADOR

         Nasceu como projeto de um conto. Mas breve e denso tornou-se poesia. Assim, foi cruel o destino daquele homem tão acostumado com os seus casos de amor- casos que de amor mesmo pouco tinham.

         Tudo começou em um final de tarde de primavera. Dia chuvoso e bonito. Caminhava ele pela rua quando a viu linda... bela... maravilhosa. Paquerador, cheio de táticas, ele se aproximou. Assim, como quem nada quer, acabou demonstrando que tudo queria, embora pouco quisesse.

         Na sua tática ele prosseguiu: trocou números de telefones, disse palavras bonitas fazendo ela sorrir. Pensava ele que, no seu jogo de xadrez, logo estaria perto da hora do xeque-mate. Do seu xeque-mate.

          Foi para casa pensando no telefonema que daria. Lembrou do rosto dela: era lindo... era belo...era maravilhoso. Dormiu e  sonhou com ela e, no sonho, ela nua era ainda mais linda... maravilhosa... bela...dele.

         Assim, no dia seguinte ele ligou. Ela não podia. Ligou outro dia. Ela não podia também. Ligou. Não podia. Ligou. Não.

          Sua angústia lhe pareceu estranha. Nunca se importara tanto com uma mera paquera. Nunca dera tanto valor. Mera era a paquera, mas o que lhe custava caro, o que lhe custava a alma era aquela vontade de vê-la. Nem que fosse para lembrar aquele rosto, aquele riso, aquela fala, o tom daquela voz. O que lhe custava caro era o desejo que crescia quanto mais o tempo passava.

         O paquerador viu-se em xeque-mate. Perdeu a fome e descobriu-se amando. Amando nem sabia o quê, mas amando. Sem que percebesse- é sutil o amor- descobriu-se poeta. Em uma angustiante noite, bem de madrugada, sem conseguir dormir, pegou a velha máquina de escrever e tentou escrever uma carta. Não conseguiu. Parecia tudo desconexado. Percebeu, depois, tratar-se de um poema que, em sua desconexidade, dizia: " Deverias ser apenas mais um caso/ mas assim, como se por acaso,/ te tornas presente/ nas ruas, no trabalho, na casa/ Não há quem aguente/ te encontrei e me perdi no passado/ não te tenho e não tenho presente".

         E ela era bela... era linda...era maravilhosa...Mas não era dele. Xeque-mate.


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 Os dois contos acima estão sendo apresentados em versões não definitivas. Eles foram produzidos já fazem alguns anos e não os modifiquei ainda. Els fazem parte de um grupo de uma dezena de contos. Foram criados como parte de projeto inacabado e entitulado "Contos de Poeta". A tentativa era de escrever sobre sentimentos de uma forma que fugisse da poesia, mas que a incluísse de alguma foma. Espero que os amigos e leitores façam comentários e sugestões para que eu possa pensar a versão final. Podem comentar no próprio blog ou no meu e-mail ( jwcl@click21.com.br). Desde já agradeço.

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